O corpo que fala
Vivemos tentando controlar o corpo, o peso, o ritmo, o desempenho, o espelho.
Mas o corpo não obedece apenas à vontade: ele fala.
Fala quando o silêncio é insuportável, quando a mente não encontra palavras, quando a dor não sabe por onde sair.
“Corpus”, em latim, significa corpo.
Mas, na linguagem da psicanálise, o corpo é mais do que biologia: é o lugar onde o inconsciente escreve o que não pode ser dito.
Quantas vezes sentimos um nó na garganta que não é físico?
Ou uma dor no peito que não se explica nos exames?
O corpo guarda aquilo que a consciência não dá conta de traduzir.
Ele manifesta o não-dito, o reprimido, o que ficou suspenso entre o que sentimos e o que ousamos confessar.
Cada sintoma carrega uma história.
A insônia pode falar de um medo antigo.
A tensão no ombro, de um peso que não é apenas da rotina.
A ansiedade, de um tempo interno que corre mais rápido que o relógio.
O trabalho terapêutico é o caminho de retorno a esse corpo que, por tanto tempo, tentamos domesticar.
É reconhecer que o corpo não é inimigo. É aliado.
Ele avisa, sinaliza, pede atenção.
Quando escutado, se torna ponte entre o vivido e o sentido.
No consultório, a palavra e o corpo dançam.
Uma fala o que o outro sente; um cala o que o outro grita.
Entre ambos, surge o sujeito inteiro, ainda que em fragmentos.
“Corpus” nos lembra que somos corpo antes de sermos razão.
Que o toque, o respirar, o sentir são formas primeiras de existir.
E que a saúde psíquica também mora no gesto simples de reconhecer-se encarnado.